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À coeur ouvert (De coração aberto), um filme de Ayekoro Kossou
A comunicação é arte subtil
critique
rédigé par Luísa Fresta
publié le 04/04/2015
Luísa Fresta (revue Africiné)
Luísa Fresta (revue Africiné)
Ayékoro Kossou, realizador franco-beninense
Ayékoro Kossou, realizador franco-beninense
Actriz Stana Roumillac ("Aïssa")
Actriz Stana Roumillac ("Aïssa")
Jérôme Thévenet ("Georges")
Jérôme Thévenet ("Georges")
Bruno Henry ("Albert")
Bruno Henry ("Albert")
Ayékoro Kossou, com o Dikalo Award 2014
Ayékoro Kossou, com o Dikalo Award 2014
Revista Africiné, Leader Mundial
Revista Africiné, Leader Mundial

Em pouco mais de 15mn, Ayekoro Kossou, jovem realizador franco-beninense consegue passar uma clara mensagem de esperança no ser humano, na sua capacidade de adaptação e de crescimento. Fá-lo através de um drama contado com simplicidade e por meio de uma história tocante, com a qual nos podemos identificar e sentir comprometidos como indivíduos. Jamais força a nota do melodrama, a história envolve-nos com gentileza e subtileza. Nela são abordados temas ainda e infelizmente perfeitamente actuais nas sociedades contemporâneas. A localização geográfica é irrelevante; dir-se-ia que a abordagem veste uma roupagem universal e adaptável, procurando ser o mais abrangente possível. Talvez seja esse um dos grandes méritos desta curta-metragem, (apresentada em numerosos festivais de referência um pouco por todo o mundo) o de poder chegar a um número incalculável de pessoas, independentemente dos seus constrangimentos sociais e culturais e da sua faixa etária.



Aïssa e Georges são um casal misto, que se entende bem no plano afectivo, mas a sua relação é mal percebida e contestada abertamente pela mãe deste, Marthe, uma senhora de meia-idade cujo comportamento abertamente racista, provocador e preconceituoso sobressai desde os primeiros diálogos. Marthe não esconde a sua aversão à nora e mima-a com comentários desagradáveis ao longo do dia, desde exclamações claramente insultuosas e inadequadas até pequenas farpas cortantes insinuando que Aïssa (Stana Roumillac) é gastadora e preguiçosa. "Mon fils n'a pas à repasser ses affaires, c'est un homme" (o meu filho não tem que passar a roupa dele a ferro, é um homem), é apenas um exemplo das demonstrações verbais mais flagrantes da sua arrogância.

Para além, do preconceito racial, também é abordado sem meias tintas o clássico conflito entre noras e sogras (neste caso há uma agressividade constante em sentido único), e, por outro lado, o machismo. De uma cajadada Ayekoro consegue matar ou pelo menos deixar inanimados vários coelhos: racismo, machismo e ainda aflorar, en passant mas com garra, o ciúme despropositado desta mãe possessiva e tóxica, que vê a sua cria ser abduzida pelas garras insistentes do amor sob a forma de uma rapariga, por acaso negra, que não corresponde ao seu ideal estereotipado de nora.

Difícil perceber como é que um filho criado em meio a tantos clichés e crenças irreais e malsãs consegue tornar-se num homem de bem e são de espírito, capaz de defender a relação com a mulher que escolheu mas também de tentar amenizar o ambiente com a mãe, mulher azeda e inconveniente, de chamá-la à razão, uma e outra vez, de tentar sensibilizá-la sem confrontá-la, nunca cedendo à tentação óbvia de reagir com as mesmas armas ou com a mesma crueza, considerando o seu comportamento bizarro como uma manifestação extemporânea de falta de tacto. Georges, em suma, move-se com elegância e boa-fé e evita aquilo que poderia facilmente descambar num violento conflito de lealdades, fazendo prova de uma diplomacia rara, mostrando que a comunicação é arte subtil


As pessoas podem mudar na essência? Aparentemente sim, mesmo que apenas, e sobretudo, na sequência de uma acontecimento traumático que afecte as suas vidas. Pelo menos é o que nos sugere o realizador.
Ao quadro familiar juntemos um pai (de Aïssa) de uma ternura imensa e bastante convincente como actor (Bruno Henry). Com efeito, Albert é o apoio constante e inabalável da jovem Aïssa, que para a além das constantes agressões verbais da sogra tem que lidar com uma doença do foro cardíaco que estará na origem do desfecho absolutamente genial e imprevisível desta pequena história despretensiosa. Quanto à sua relação com a sogra, este pai aconselha sabiamente à filha: "Ignore-la. Laisse-lui aussi le temps de changer…" (Ignora-a. Dá-lhe tempo para mudar).
Para aqueles que se deixam embalar pela previsibilidade aparente dos diálogos e do desenrolar da trama, chamo a atenção para a reviravolta absolutamente inesperada do final. Uma narrativa eficaz e espontânea, verdadeiramente de "Coração Aberto", porventura vagamente ingénua, a espaços, que teve, como muitos filmes, curtas e longas-metragens sobre os quais já tive o prazer de escrever, o mérito de ter sido feito por um grupo de gente batalhadora e insistente, com meios financeiros limitados, e fruto do envolvimento de amigos e familiares. Exemplo desse encarniçamento persistente é o facto de Ayekoro intervir também como figurante e produtor delegado, para além de autor da história original. Creio que o cineasta tem ainda muita margem para expandir o seu estilo de narração, explorar diálogos e encenações. Mas o essencial está aqui patente com clareza: um inegável talento e honestidade artística como autor, dinamismo, capacidade de engendrar vida com uma dinâmica própria, e de ver para além do óbvio, de recriar a realidade numa linguagem da ficção.
Não poderia terminar estas linhas sem uma nota de admiração pela escolha feliz da música original, a cargo de Adrien Bekerman, sublime e pertinente, essencial, mesmo nas pausas, adivinhando-se nos silêncios entre uma e outra cena.

Luísa Fresta

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