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MORBAYASSA- um filme de Cheick Fantamady Camara
Reflectir sobre os laços de sangue
critique
rédigé par Luísa Fresta
publié le 05/05/2015
Luísa Fresta (revista Africiné)
Luísa Fresta (revista Africiné)
Cheick Fantamady Camara, diretor guineense
Cheick Fantamady Camara, diretor guineense
Atriz Fatoumata Diawara en Morbayassa
Atriz Fatoumata Diawara en Morbayassa
Fatoumata Diawara (Bella) dança a morbayassa
Fatoumata Diawara (Bella) dança a morbayassa
Fatoumata Diawara & Claire Simba (vermelho)
Fatoumata Diawara & Claire Simba (vermelho)
Teddy Atlani & Claire Simba
Teddy Atlani & Claire Simba
Fatoumata Diawara, Atriz Mali, en Morbayassa
Fatoumata Diawara, Atriz Mali, en Morbayassa

Nesta que é a segunda longa-metragem de Cheick Fantamady Camara, reencontramos nos principais papéis um núcleo de actores que fizeram parte do seu primeiro projecto (Il va Pleuvoir sur Conakry). Alex Ogou, no papel de encarregado de missão da ONU, uma personagem que lhe exige alguma sobriedade e discrição e que ele representa de forma fluida, sem quebras. Fatoumata Diawara, a bela cantora e atriz, tão segura num registo como noutro, volta a exibir a sua sensualidade e carisma neste papel exigente fisicamente e esgotante psicologicamente, na verdade, um papel desdobrado em dois: o da prostituta refém da máfia local num bordel de luxo de Dacar e o da mãe que procura desesperadamente reencontrar a filha partindo também ao encontro do seu próprio destino.



O juramente de Koumba é dançar a Morbayassa na sua terra natal, uma dança ritual da cultura Madinga, quando os seus desejos mais profundos forem realizados. Morbayassa é na realidade uma tradição à qual se submetem sobretudo mulheres, agradecendo aos antepassados conquistas relacionadas essencialmente com fertilidade, com o nascimento de filhos. Koumba começa por vestir a pele de Bella, na primeira parte do filme, ainda no Senegal. Ela é uma dançarina e cantora escravizada como prostituta por Kéba, o execrável dono do cabaret, proxeneta, patrão (e cliente honorário, com todas as prerrogativas), que gere a sua "mercadoria" com recurso ao exercício do terror, da coacção ("nem Deus vos pode ajudar") e da violência. As suas "meninas", num constante desejo de evasão, tentam várias fugas frustradas, uma vez que Kéba tem tentáculos longos e contactos bem oleados que lhe permitem localizá-las em qualquer ponto do país e trazê-las de volta ao "aconchego" do bordel onde as retaliações brutais não se fazem esperar. Cheick aproveita aqui para nos dar uma imagem a vol d'oiseau de várias maleitas que inquinam o desenvolvimento das sociedades em geral, neste caso no contexto urbano africano: fala-se sobretudo de corrupção e de tráfico de influências, de sede desmedida de poder, de violência contra mulheres. O filme é pincelado aqui e ali por momentos de um humor brejeiro, como forma de suavizar a chamada de atenção para a praga da corrupção, como no caso do passageiro francês viajando de autocarro sem boletim de vacinas, o qual, num posto fronteiriço do Senegal, é considerado um "meio indocumentado", e acusado de querer "contaminar a região"; pasme-se: este ainda sugere ingenuamente que lhe passem um "recibo" para o que considera uma "multa" …
Mas o filme não se cinge à denúncia (algo que o realizador já havia abordado com clareza na sua primeira longa) pois também há espaço para o romance e o conto de fadas contemporâneo, altamente improvável, como todos, e por isso mesmo mais ternurento: o jovem diplomata da ONU, Yelo, interessa-se por Koumba com genuíno afecto; une-os o facto de terem a mesma origem (Guiné Conakry) e também um certo desencantamento em relação ao mundo, um desconstruir de utopias que os leva ao encontro irreversível um do outro. Enquanto que em Bella são claros os motivos de revolta e desconfiança, dado o seu historial dramático que mais adiante detalharemos, em Yelo essa amargura e desencanto derivam sobretudo de uma certa visão quixotesca do mundo que o levará a seguir os seus próprios projectos, baseado na intuição, na crença e numa bondade visceral, quase deslocada, nos dias de hoje, que o afasta do formalismo das instituições, tão impregnadas de vícios e mergulhadas na tecnocracia, afastando-se dos seus princípios fundamentais e dos seus valores intrínsecos.
Após libertar-se do jugo de Kéba, quando percebe que as correntes do medo são mais limitadoras do que as da máfia, Bella regressa ao passado na tentativa de edificar um futuro. Parte em busca da filha adoptada à sua revelia por um casal francês, numa situação que configura mais o rapto do que o abandono, sem que os pais adoptivos tenham agido de má fé, uma vez que a criança lhes foi entregue por uma instituição.

Bella descobre-se Koumba, assumindo a sua verdadeira identidade e caracterizando deste modo uma espécie de renascimento; e mais tarde, Vanessa, a princesa criada no 20ème parisiense descobre-se também N'nakani (que significa "o amor da sua mãe"), juntando os pedaços da sua personalidade, na dimensão sociológica, cultural e familiar. Como nos contos de fadas os momentos felizes são sempre precedidos de peripécias e desventuras angustiantes, mas nunca entediantes. Neste reencontro doloroso revela-se também um choque de culturas, pois à parte os laços de sangue, nada mais une estas duas mulheres: uma mãe adulta, sofrida e guerreira, de 34 anos, e uma princesa de 17 anos desenraizada ("estou-me a borrifar para África, os meus pais morreram"), frágil e mimada, criada num enorme vazio existencial, rodeada de luxo, com uma personalidade oscilante e insegura, ainda vítima do cocktail hormonal da adolescência. A minha vénia para esta jovem actriz, Claire Simba, que representa na perfeição esta fase da vida (num contexto urbano e europeu de uma família de classe média alta) que alguns consideram "uma doença que se cura com a idade".
Koumba acaba por dar por terminado o seu périplo em região parisiense e vê-se forçada a abortar a sua missão diante da intransigência e da revolta da sua filha, ao descobrir abruptamente a sua história. Regressa ao lar, ainda esperançada numa reviravolta que lhe permitirá construir o futuro que projectou cumprindo um pacto de reconciliação consigo mesma. Conseguirá Koumba cumprir o seu juramento?
Este é o grande leitmotiv do filme que constitui uma oportunidade para reflectir sobre os laços de sangue e as verdadeiras motivações do ser humano, as luzes que se acendem mesmos nas trevas mais profundas, os combates que se travam contra a adversidade.
Fantamady Camara foi mais uma vez exitoso nos seus propósitos, servindo-se desta longa metragem de ritmos e cenários díspares mas com uma história bela e consistente, através de um olhar africano, sem descurar uma visão universalista das coisas da vida.

Luísa Fresta

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